Abaixo o texto carinhoso do professor e amigo Armindo Trevisan
sobre minha exposição "Estados da Alma"
Foto: Carmem Gamba
Exposição Estados da Alma no Museu Júlio de Castilhos
Arminda Lopes:
Obrigatório ver o que ela está expondo.
Armindo Trevisan
Escrevo...para vocês, leitores, considerados o “grande público”,
a vocês que ousam formular a questão:
“Existem, ainda, obras de arte visuais que mereçam ser visitadas?”
Antes do mais, admitamos um fenômeno:
a maioria das pessoas não sabe a qual critério recorrer,
que lhes permita olhar para algo para uma produção
simbólica com um mínimo de simpatia. Caímos numa espécie de ceticismo estético.
Já somos “agnósticos” em arte!
As pessoas olham para o que lhes é apresentado como “criação estética”,
torcem a cabeça, sorriem (ou, mesmo, riem abertamente!)...
E afastam-se com enfado ou desdém.
É certo, por outro lado, que vivemos uma era de minguado “eros” simbólico,
de quase inexistente capacidade para avaliar alguma coisa
pelo critério de sua vinculação a um valor imaginário do passado,
digamos, da História da Arte. De tanto inventarem novos mundos,
de tanto perseguirem a pedra filosofal da genialidade,
de tanto agredirem os olhos do cidadão normal, os artistas passamos a ser,
para o público, pessoas não confiáveis.
Mas, no fim das contas, a quem caberá a razão:
ao público, mais e mais chateado, ou aos artistas, mais e mais provocativos?!
Um pouco de humildade, um pouco de equilíbrio,
ou melhor, um pouco de pudor estético (de desconfiança no gosto subjetivo)
poderia favorecer um retorno ao diálogo.
Não vejo nada no horizonte que anuncie isso.
Vejo apenas uma tendência à arrogância,
que não promete senão uma inflação de arrogância.
Precisamos parar, começar a meditar! Meditar, sobretudo,
nas seguintes palavras de um dos maiores compositores
de música clássica de nosso século, Benjamin Britten:
“Sou um ouvinte impaciente e arrogante;
mas no caso de uns poucos compositores,
muito poucos, quando ouço uma obra deles de que não gosto,
tenho certeza de que a culpa é minha.
Verdi é um desses compositores”.
Se todas as pessoas utilizassem tal critério,
ampliando-o de acordo com a própria ignorância,
existiria maior número de apreciadores de arte.
Escrevo tudo isso por uma razão específica:
para convidar os leitores a irem ao Museu Júlio de Castilhos.
É preciso que mais gaúchos visitem a mostra de Arminda Lopes: “Estados da Alma”.
A temática da artista é delorosa. Ela mesma o confessa:
“Talvez a ncessidade física de sobrevivência,
através da expressão materializada dos estados de minha alma,
me auxilie no processo de purgação da dor.”
Sim, a catarse constitui elemento fundamental da experiência estética.
Diria até que ela é seu subconsciente, mesmo quando,
orgulhosamente, queiramos tratá-la como uma escrava romana...
Eis por que a escultora imaginou sua mostra como um ritual “desviado”.
Um ritual profano”? Até certo ponto.
O profano, não raro, é um anônimo que acompanha o sagrado.
A artista, pois, concebeu sua exposição como ela pudesse
acontecer dentro de uma Capela.
Expôs, inclusive, no que se poderia qualificar de altar-mor,
um impressionante “Santo Sudário” desligado de suas implicações religiosas.
Peço aos eventuais visitantes da mostra de Arminda Lopes que se fixem,
de maneira especial, nas qualidades intrínsecas das peças em exposição.
Nem tudo nessa mostra é obra-prima.
Existem exageros, tiques de retórica, uma ou outra,
certa tendência subliminal a “épater le bourgeois”.
Afirmo isso não para diminuir a mostra de Arminda,
mas, justamente, para valoriza-la, para exigir maior atenção e emoção para ela,
sobre o que realmente importa nela:
sua qualidade formal, sua expressividade plástica.
Não me peçam para definir isso.
Pode-se definir o aroma de uma orquídea?
Caros amigos, apressem-se a ir ver essa Capela misteriosa!
Detenham-se na presença de determinados “achados”,
tentem descobrir (estas, sim!) a contenção, delicadeza,
a notável síntese entre a modelagem dos volumes,
e o coração estraçalhado de quem os criou.
Demos essa honra à escultora Arminda Lopes!
Acerquemo-nos de uma realização escultórica que não perde
para outras realizações congêneres, exibidas nos museus da Europa.
Com essa mostra, a escultora gaúcha alçou-se à altura
de sua primeira grande mostra-impacto,
a que anos atrás a situou entre os melhores artistas do Rio Grande do Sul, e do país.
Assombro-me que isso tenha ocorrido.
Quando, uma década atrás, a escultora foi minha aluna de História da Arte,
jamais teria imaginado seu vôo futuro. Como o conseguiu realizar?
Talvez impulsionada pela dor de uma grande perda!
É possível que um fenômeno estético tão admirável
só tenha sido viável, porque um mergulho existencial da artista
lhe permitiu encontrar nos abismos do coração humano,
aonde se refugiam os segredos da condição humana,
a misteriosa chave que realmente abre “as portas da percepção”.
(Museu Júlio de Castilhos. Rua Duque de Caxias 1205.
Visitação: até 30 de janeiro de 2010. De terça a sábado, das 10 às 18 horas).